Imaginem as estradas precárias por onde transitavam suas carroças. Sujeito às condições climáticas, o comboio enfrentava a tormenta da chuva e do frio. As carroças eram tombadas pela fúria dos ventos, ou as rodas ficavam atoladas na lama. Crianças pequenas choravam, com medo da manifestação da Natureza; as mães ficavam temerosas pela integridade física dos pequenos; as mulheres grávidas, expostas aos acidentes; os mais idosos também igualmente permaneciam expostos. Contudo, todos acorriam no socorro à carroça acidentada.
Quantos partos foram feitos durantes esses momentos de tormenta! As parturientes contavam apenas com a destreza das mais velhas do clã. Tantos e quantos partos complicados foram vencidos, quando não pela destreza, foram-no pelas simpatias e orações feitas com fervor. A mesma situação era vivida por outros clãs em países distantes, que, dependendo da região, enfrentavam também a neve, no entando a situação em si não se diferenciava uma da outra.
Durante a calmaria, tudo era festa. Porém, tudo tem seu preço. Confrontando a visão poética da liberdade cigana, do povo ao redor da fogueira cantando e dançando, temos também a realidade das suas necessidades básicas, a exemplo da higiene. Normalmente, procuravam acampar próximo a rios, de onde podiam colher água potável para beber, cozinhar, tomar banho, lavar as roupas, etc. Entretanto, nem sempre era possível encontrar condições tão favoráveis. Acampavam, então, nos arredores de uma cidade. Nesse caso, precisavam recorrer à boa vontade à boa vontade dos moradores: batiam às portas das residências pedindo água potável e quando eram bem recebidos, enchiam grandes galões e os carregavam para o acampamento, porém era necessário economizar água. Quanto ao banho e às roupas a serem lavadas, a dificuldade era ainda maior, pois nem sempre os ciganos eram bem-vindos; o que é até compreensível, já que quando alguém permitia o uso do tanque de lavar roupas ou do banheiro para que tomassem banho, imagina o que acontecia. Todos corriam para a mesma casa. O que com certeza deveria ser extremamente desagradável para os seus moradores, pois era comum ouvir reclamações por parte destes, em relação ao alvoroço feito pelos ciganos.
Tais situações eram passageiras; o clima mudava, as carroças danificadas eram recuperadas e voltavam à estrada. A única dificuldade persistente, impossível de ser vencida, sempre foi o preconceito. Durante todos esses anos, os ciganos foram acusados de coisas absurdas. Entretanto, nunca se deixaram abater.
Livro: Ciganos, Rom – um povo sem fronteiras
Autor: Nelson Pires Filho.