Apesar de guardarem a sete chaves o segredo de sua verdadeira religião e os preceitos religiosos que atendem às suas tradições, os ciganos – até para se defenderem das perseguições aos considerados pagãos ou infiéis -, costumavam e ainda adotam o costume de se converterem à religião dominante do país onde fixam suas moradias. Assim, como a maior parte dos ciganos vivem em países particularmente católicos, eles se declaram seguidores da fé católica, o que sem dúvida facilita suas andanças por terras europeias e de muitos países católicos das Américas. Se, além de atormentados e acossados por seus costumes ímpares, sua vida errante, seu modo de vida fechado aos não-ciganos e carregando injustas pechas de ladrões, falsários, charlatães, eles também acumulassem uma perseguição por causa da religião, com certeza eles teriam suas vidas muitíssimo mais complicadas. Daí, numa atitude bastante inteligente, que não diríamos forçada ou falsa, adotarem os fundamentos católicos, pelo menos para a grande plateia mundial.
Na verdade, porém, os ciganos passaram por um processo sincrético, procurando fundir suas crenças e divindades das terras de origem com outras doutrinas, reunindo-as num único sistema religioso, tal como fizeram os povos africanos que aportaram em terras do Brasil como escravos. Os negros procedentes da África eram severamente castigados pelos feitores das fazendas brasileiras se cultuassem suas verdadeiras divindades. Que fizeram, então, para se livrarem das chibatadas e até da morte? Colocaram santos católicos a modo de disfarce de suas reais divindades, os orixás, apaziguando a ira dos feitores e dos senhores de engenho e ganhando inclusive, de certa maneira, a simpatia dos padres daquela época, tão íntimos dos donos da terra – afinal, “aquela negrada infiel tinha cedido aos apelos da verdadeira fé, a católica”. À guisa de um pequeno adendo podemos acrescentar que esta é a origem da umbanda no Brasil, agremiação religiosa que enfeixa fundamentos africanos autênticos com preceitos e imagens de santos católicos, à diferença do candomblé, que é o culto africano sem nenhuma miscigenação, ou seja, verdadeiro, puro, tal como se originou na Mãe-África.
Os ciganos, apesar de se declararem fiéis seguidores da fé católica, adotando muito de seus preceitos, mandamentos e festas religiosas, como a comemoração profundamente respeitosa da Semana Santa, também traziam suas divindades femininas e masculinas pagãs e que não se acomodavam às religiões cristãs. Então o que fizeram? O mesmo que os negros escravos no Brasil, indo buscar numa figura feminina considerada santa e cristã católica, Sara ou Santa Sara, sua mais venerada Padroeira.
Eles porém continuam acreditando em outros princípios, como o da reencarnação por exemplo, que absolutamente não se enquadra, pelo menos oficialmente, nos dogmas católicos. Crendo na reencarnação aceitam o mundo dos espíritos, bons e maus, a que rendem oferendas, nas forças da natureza como manifestações de divindades, na roda dos círculos cármicos e ausência de um Paraíso e de um Inferno determinados como destino final de toda alma vivente na face da terra após a morte do corpo físico. Também por acreditarem que o espírito volta em nova vestimenta carnal e nova vida ou encarnação para acertarem dívidas pendentes em vidas passadas, procuram viver da melhor maneira possível. Afinal, sabem ou crêem que se agirem mal, voltarão tantas vezes quantas necessárias para colocarem em ordem suas pendências geradas pela má ação, mau pensamento, más palavras e sentimentos.
O povo cigano crê em um só Deus, pai e soberano generoso e doador do livre-arbítrio a todos os seus filhos, indistintamente.
Conhecem a lei de causa e efeito, da ação e reação, assumindo suas dores e sofrimentos como gerados por eles mesmos, ou seja, que o ser humano sofre em razão de seus incorretos pensamento, sentimentos, palavras ou ações. Desta maneira é através de suas leis, as leis de Deus. Sob o ponto de vista religioso é um povo austero e severo, punindo duramente os infratores das leis humanas e divinas. Com isto, queremos dizer que eles não transferem para Deus a responsabilidade pelo castigo por seus erros e faltas. Deus é venerado sempre por sua magnanimidade, grandeza e fonte eterna e inesgotável de perdão.
Fonte: Texto de Rosaly Mariza Schepis
Livro: Ciganos, Os Filhos Mágicos da Natureza